Homenagem de um leitor



Em 2006 iniciei este blog que dediquei à sua obra. Na altura pouquíssimos se lembravam dela. Acalentei o sonho de ver a sua obra integral publicada. Um editor disse-me que não teria leitores, outro que talvez obtivesse um subsídio mas só para a a escrita "macaense", visto os apoios que se originam de ou a propósito desse território.
Estive em Braga na inauguração do espaço que no Museu Nogueira da Silva lhe é dedicado, feliz ao vê-lo corporizar-se. Vejo que ganha forma a estruturação on line da sua obra, como se vê aqui.
Sou apenas um leitor. Leal para com a sua obra, sabendo o que são vidas vencidas.

A que jamais o mundo compreendeu...


Li esta noite a primeira parte do livro de versos O Meu Sentir, editado em Braga em 1949, o ano em que eu nasci, tinha Maria Ondina, como expliquei aqui, vinte e sete anos.
Talvez possa encontrar-se na poesia uma biografia, sobretudo quando ela é íntima, e surge como um falar da alma, pegadas na neve do caminhado, ou pelo menos sentir um pressentimento de como foi.
Há por esta escrita ingénua, o retrato do seu ser sensitivo, «tristinha», de uma «tristura», constrangida «frio e de pavor», povoada pela mística, «triste e excitada», a «alegria branca de noviça», «o prazer agridoce de ser só».
Mas, há também o arroubo da paixão, fulgurante «passarinho com garras de leão», corpo incendiado por «beijo que por ser dado sobre a boca/me abafou um suspiro...e me pôs louca».
Livros de saudades de uma Mãe que se foi «amiga de verdade», que num poema chamado "Ela" surge no inesperado retrato, a adensar mistério, o «sorriso cheio de doçura», o «olhar de paz e de bondade» e, eis o ambíguo, «bem junto ao meu, seu coração amante/pulsava, carinhoso e vigilante», livro prenunciador de viagem, Ondina errante, ela que sofria de «lonjura e de ansiedade», a confessar-se «sinto às vezes desejos de fugir/para terra ignorada, sítio incerto/p'ra onde haja só silêncio a florir/e estrelinhas de paz em céu aberto», «fugir, fugir», fugir «p'ra sentir todos longe...e Deus mais perto».
De todos os versos, talvez Ansiedade tenha sido o que mais vincou a sensibilidade, de uma pueril grandeza, premonitório de todo o tempo por viver: «hás-de dizer ao mundo que sou eu/aquela que padece...mas não grita/a que jamais o mundo compreendeu/a louca, a descontente, a esquisita; por trás do tempo, qual espesso véu/perscruto uma outra vida mais bonita!/que importa se ninguém a conheceu?/a minha alma é céguinha e acredita; e um dia, além dos montes, p'la tardinha/hei-de achar essa vida...há-de ser minha!/há-de trazer consigo a Paz Bendita!; então dirás ao mundo; lá morreu/a que jamais o mundo compreendeu:/a louca, a descontente, a esquisita.»