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Salão Cleópatra

Ainda consegui ler, porque estou a estudá-los, um dos magníficos contos, no caso A Trança, que a Maria Ondina publicou em 1975 no livro A Revolta das Palavras. A cena passa-se em terras africanas, como o leitor se apercebe pela menção aos «operários indígenas que trabalham no calcetamento», pela referência à «noite de África», essa recorrência vivencial na sua escrita dos tempos de Angola.
A cena é um instantâneo «em prédio de esquina moderno com varandas de cimento oblongas como grandes banheiras», num vulgar cabeleireiro, o «Salão Cleópatra», onde «de cabeças coroadas de bigoudis, as senhoras lembravam bonecas enormes em exposição». Uma delas terminará com um «corte a trança», e ela Maria Ondina que a usava, «que de tão preta parecia azul».
Li, sublinhando, entrando na interioridade do conto, no sentido modo de o contar.
Há na escrita de Maria Ondina Braga uma constante espiritualidade sensualizada, o extâse e o clímax num acto só. «A cabeleira desprendia-se, pesada, ia-lhe vestindo ombros e ancas, e, ao longo dela, as mãos do homem, muito brancas, lembravam borboletas adejando no capim do sol, estonteadas, sem saber onde pousar», escreve táctil e sensitiva.
Escrita de contida alma e vulcânico corpo, há nela momentos de terno enamoramento, como quando, as mãos ágeis, as palavras gentis de que o ruborizar-se explicavam o sentido, o cabeleireiro, a face de Apolo compenetrada, não se conteve: «como sou pouco para este cabelo, madame!». Como pode exprimir-se melhor o amor?