A volúpia dos vocábulos


Escrevi já várias vezes sobre este livro [ver aqui]. E volto a ele, menos talvez por ser, como tantos outros seus, biográfico, este mais explicitamente retrato da vida, mas porque com ele e a sua pureza essencial me sinto regenerado como se água límpida me banhasse do rio turvo e lodoso da vida corrente que me chega ao assomo da janela.
Regressei, desta vez na edição primitiva da Sociedade de Expansão Cultural, não pela apetência gulosa das primeiras edições, mas por ser exemplar que mão amiga do José António Veloso me fez chegar com a dedicatória a seu Pai, o juiz Francisco José Veloso.
Braga e a escrita uniram a escritora e aquele a quem dedicou a obra, para a qual Tomaz de Figueiredo escreveu «algumas palavras».
Tenho-o lido pela noite, em excertos, e neles o seu sentir por Macau, vinda de Goa, por Angola, pela Inglaterra, de que deixou a dor magoada da clausura, a excitação desperta pela Natureza, a fantasia do amor sonhado como bebedeira de mansa alucinação.
Povoada pela «solidão que se agarra ao peito como hera a um muro». vivendo «já só daquilo de que nenhuma pessoa pode viver - dos gestos, dos sons, das cores», envolta, precoce, na leitura, entre «a volúpia dos vocábulos, a tontura da sua música, o seu beijo cálido», o homem que, ao dobrar da esquina lhe embargou o passo, «a minha tristeza a abraçá-lo, longa, carinhosamente do jeito que os homens gostam de ser abraçados»