Uma noite em Macau


Tinha visto e sentido com todas as formas de sentir a miséria, o bairro flutuante, as mulheres que, de filhos às costas, tentavam atravessar a nado o Rio das Pérolas, para, vindas da República Popular da China, tentarem encontrar comida e uma vida de pobreza que fosse e que desaguavam, mortas por exaustão e afogamento, nas costas de Macau.
E tinha visto, então ainda incipiente, a riqueza, o luxo, a ostentação, o vício e tudo quanto o vício atrai, a corrupção fruto da ambição, a vaidade dos medíocres a dourar-se, o jogo e alucinação agiota da melhor fortuna, o amealhar e o exibir.
E li tudo isso nos seus livros, Maria Ondina, como o tinha lido nos do Camilo Pessanha, como o tinha lido no Wenceleslau de Moares porque há quem tenha olhos que vêm a desgraça do lixo onde assenta o luxo, os pedintes, os lazarentos, os párias, as bestas humanas que carregam gente quais animais de tiro atrelados aos rickshaws, há  olhos que por vezes têm vontade de cegar.
Mandaram-me este filme para me alegrarem o dia e uma tristeza infinita povoou-ma a alma, neste entardecer baço que é Portugal.
Estive lá e que terei feito daquela terra nesses onze meses para que a miséria ofensiva que encontrei fosse menos miséria e que terei feito de mim para que esta riqueza ostensiva me envergonhe?