Maria Ondina na Nam Van

Há sempre um acto de generosidade que dá alento aos dias cinzentos de desânimo. No caso, a generosidade tem nome e chama-se Rogério Beltrão Coelho. Fez-me chegar pequenas preciosidades para aqueles que lhes dão valor. 
Do que recebi refiro hoje o fascículo policopiado, editado em 1990, sobre as existências referentes a Maria Ondina Braga no Catálogo da Biblioteca Central de Macau: obra própria, obras que traduziu, um artigo relativo à sua escrita, a recensão crítica publicada na revista Colóquio e assinada por Eugénio Lisboa.
Revi-o neste final de manhã, o que permitiu actualizar as referências que constam deste espaço.
Do texto de introdução ao breve folheto, um excerto do artigo que Fernando Mendonça publicou relativamente a Maria Ondina, em 1980, na Revista de Língua e Literatura, brasileira.
E nele descobri a existência de artigos seus na revista Nam Van, publicada a 1 de Junho de 1984 pelo Gabinete de Comunicação Social de Macau [números 1 [Junho de 1984], 2 [Julho de 1984], 3 [Agosto de 1984], 4 [Setembro de 194], 5 [Outubro de 1984], 6 [Novembro de 1984], 9 [Fevereiro de 1985], 25 [Junho de 1986].
A revista teve como Director Hândel de Oliveira e do seu corpo redactorial faziam parte  Luís Ortet, Luís Sá, Peter Liu e João Murinello,

Revendo o decidido

Somos a fragilidade dos nossos sentimentos e a fortaleza dos sentimentos alheios, sobretudo quando amigos e compreensivos. 
Terei eu manifestado ao longo destes anos apreço sincero e amigo pela pessoa e obra de Maria Ondina Braga? Ficam estes textos para que se extraia conclusão.
Terei eu dado contributo válido para dar divulgação à sua obra? Neste momento, quanto a isso, disse, já pouco conta quanto possa escrever; para que a obra seja conhecida apenas falta a sua publicação dos seus livros, de há muito esperada e já impossíveis de encontrar.
Desistirei eu de a reler, de acolher tudo quanto encontre a seu respeito? Seguramente não. Leitor apaixonado, assim, me classifiquei e assim permaneço.
Enfrento, pois, a questão que me faz regressar aqui: é justo que fique comigo quanto resulte dessa  minha incessante leitura? É justo que guarde, não partilhando com outros, o que me chegar de tantos e ainda os há que, modestamente seja, vão deixando pegadas pelo seu caminhar de apreço ante o que Maria Ondina escreveu, o que sentiu no coração, tanto nos deu com o exemplo de vida? Dizem-me, amigos, aqueles cuja opinião conta, não é justo que o faça.
Somos a precariedade das nossas decisões. Felizmente havendo abertura de espírito para escutar quem nos faz repensar, os que têm a delicadeza de nos apontar o erro e isso quis.
Concluo: seria errado suspender este espaço. Perdoem-me, por isso, aqueles que, lendo quanto escrevi e aqui fica, dispuseram do seu tempo para mo fazer notar quanto errava ao encerrar. 
Ilustro este post com uma imagem, a da automotora que parava na Canhoca, em Angola. Num dos seus livros primeiros Maria Ondina relata a viagem e o local, a mesma viagem que eu, adolescente, ignorante de todo da sua existência, fiz entre Malanje e Luanda. Se há símbolo que ilustre o que a vida faz encontrar, talvez este seja demonstração e exemplo.

Encerramento

Há momentos em que está dito quanto haveria para dizer. Comecei aqui em Maio de 2006, fui, quanto podia, deixando notas sobre o que o sentimento trazia em torno de Maria Ondina Braga. 
A sua obra, se bem que inexistente hoje para quem a quiser ler, o que auguro em breve dê lugar a publicação condigna, é objecto de estudos académicos, inclusivamente internacionais. 
O que eu poderia trazer aqui, como interrogação, face à sua vida e à sua escrita, a gerar equívoco, trairia a correcção com que procurei situar a modéstia do meu conhecimento. O essencial que pretendi, contribuir afinal para que a sua memória perdurasse, tornou-se inútil, atingido o resultado como fruto de todos os que, reunidos em torno da sua escrita. lhe restituíram presença.
Tempo, pois, de encerrar. A quantos tiveram a gentileza de ler, uma palavra final, a de gratidão. 

A intersecção do acaso


Recebido com amizade, foi grata a oportunidade de encontrar no Museu Nogueira da Silva um espaço de gentil acolhimento. 
Trouxe a minha Ondina Braga, a que senti e pressenti ao longo de um convívio com a sua obra, fruto de uma viagem de vida por alguns dos espaços por onde ela peregrinou.
Do texto que lhe dediquei permito-me estes três extractos, pois talvez neles se aproxime quanto quis ficasse vincado no espírito de quem, neste Sábado de Sol me quis ouvir:

«O ensino, as viagens, o cosmopolitismo da sua juventude, a herança cultural de seu tio, o próprio ambiente em casa, talvez tudo isso lhe abrisse as portas da socialização não fora o seu espírito solitário, a isolar mais do que as circunstâncias a afastariam da convivência.
Maria Ondina é, por um lado, «a menina triste», por outro, o ser humano que quase que só tinha olhos para as vítimas do infortúnio em seu redor, condenados ao Inferno na terra, aqueles para quem solidão não era luxo, mas fruto da penúria e da sobrecarga de trabalho.»
[...]
«Como ser-se feliz quando pesa como excesso o pouco que se tem? Quando se é mulher e só, em terras onde todas as mulheres parecem ter companhia e não a ter assemelha-se a doença escondida ou vício oculto.»
[...]
«Mau grado isto, não se estranhe que, sob este pesado manto de agonia, haja, como latente jorro vulcânico, carnalidade e sensualismo, mas expresso com tal delicadeza e finura, como tule fosse de véu ao pudor, ou renda de bilros a que tanto se dedicou. Num verso que encontrei, solto, no seu espólio, em Braga, li a contraída contenção e a expectativa:

"criada para beijar minha boca está crispada/dói-me o saber-me à espera de nada".»

A quantos tiveram a gentileza de convidar e estar presentes, muito obrigado! Não sou académico, disse, ou estudioso, apenas leitor apaixonado.

+
Fotos com a devida vénia ao Espaço Maria Ondina Braga, no FB