Nasceste em Braga no dia de hoje, no ano de 1932. Um dos leitores que me escreveu disse-me que foi teu vizinho quando moravas em Benfica e te conhecia, discreta que eras, como «a mulher que passa».
Nasceu-me no peito por causa da tua obra uma afeição que se tornaria amor se o amor fosse possível. Li tudo teu, coleccionei tudo que te dizia respeito, tentei entender tudo sobre ti, quando poucos sabiam que tu existias. Sofri contigo o isolamento dos quartinhos em que viveste, a modéstia da tua vida, senti a mortificação pelo trabalho obrigatório de tradutora, a humilhação digna da tua solidão inconsolável.
Estiveste em Malanje, onde eu nasci e eu não sabia que tu estavas lá nem que tinhas viajado na mesma automotora em que viajei, porque não é possível um coração de criança saber o que a vida não lhe permite ainda conhecer. Estiveste em Macau, por onde eu passei, onde viveste a Macau que eu gostaria de ter vivido, estrangeira e recolhida, Deus como testemunha, os deserdados como teus irmãos. Estiveste em Goa onde eu gostaria de ter estado, salvo que escrevi um livro em que por ali se passou a história, o que foi uma forma de ter inventado uma estadia tão real como a que tivesse sido.
Penso tantas vezes escrever-te a biografia, uma narrativa só de interiores e de sentimentos, sem sensações, vivida num corpinho em que a luxúria se fez êxtase, a vida como uma oração.
Vim hoje aqui, onde quer que te julguem, dizer-te que estás comigo, Maria Ondina. É o dia do teu aniversário.