A casa fronteira

Querendo lê-la, livro a livro, em todos os livros, estou com a Estátua de Sal, o seu terceiro volume em prosa. Parei no capítulo quinto: «nesse tempo eu acreditava que viviam anjos por trás das janelas sempre fechadas de uma casa fronteira à nossa». Parece ingénuo, é ingénuo, mas ao mesmo tempo preparatória deste extraordinário momento: «Se chovia, testa colada à vidraça, entrevia os olhos tristes dos anjos espiando, como eu, entre grades de cristal que iam das nuvens ao chão». Feroz de sentimentos, o que se rir da crença na casa dos anjos. Feroz de afectos, o que nunca teve na vida uma vida a que chamasse «nesse tempo». Feroz de solidão quem não teve, ao menos na infância e por uma vez, uma casa fronteira à sua, para a qual olhasse, com olhos tristes, nos dias em que chovia, as janelas sempre fechadas.